As Implicações da Gestão de RH na Era Pós-Industrial. Os Impactos do Neoliberalismo e das Relações Comerciais no Trabalhador

Ângelo Peres
Ângelo Peres

I – Notas Introdutórias.

Este artigo procura apontar para algumas reflexões sobre a importância de se ter uma política de RH antenada e sintonizada com o novo milênio em curso. Ainda, e, no limite, aponta para a importância da participação dos gestores das organizações nos rumos dessas políticas, frente à nova ordem econômica e social, bem como às novas macro-transformações que se apresentam na Era Pós-Industrial.Ainda, este artigo refletirá sobre o papel do RH vis a vis a esse novo gestor das organizações, bem como a importância do cliente-consumidor como um dos princípios organizadores dessas novas relações e/ou como o novo nexo do consumo e das relações sociais.Somado a isto, tangenciará a questão do modelo neoliberal que nos ronda e como mola propulsora desse novo tempo. E, tentará apontar os impactos dessas transformações, bem como os conflitos causados na subjetividade do trabalhador, em sua competência, no seu currículo, carreira, racionalidade, sofrimento e postura profissional.II – Desenvolvimento.O RH e Suas Políticas versus o Novo Empresário da Era Pós-Industrial e do Neoliberalismo como Organizador da Nova Racionalidade.Até o fim dos anos 70, do século passado, a gestão de RH, para os capitalistas, sempre foi uma questão subalterna e que, via de regra, era colocada em segundo plano na administração geral das organizações.Os gestores da chamada Sociedade Industrial só se preocupavam com o lucro e com a acumulação proveniente desse lucro. O trabalhador era, via de regra, um recurso secundário e perfeitamente substituível. A base desse lucro pode-se afirmar, nessa era, provinha de investimentos em tecnologia, matéria-prima e de esforço humano (trabalho). E, a soma desses três elementos, dessa equação, o capitalista, tinha o tal do resultado econômico-financeiro, tão desejado e esperado por ele.Somado a isto, e como era de se esperar, as relações entre os capitalistas e os trabalhadores, caminhavam para relações estritamente assimétricas. Por conta disto, a alienação e o sofrimento, causados por essa lógica capitalista, passou a imperar nas fábricas e nos escritórios de então. E, uma cisão entre esses dois lados, tornou-se inevitável.Assim, e a partir desse juízo, os capitalistas passaram a ter como única preocupação, além do lucro que era o centro de tudo, o tecnicismo e a gerência científica da produção. As máquinas maravilhosas e a racionalização científica da produção, como o dito acima, passaram a ser o centro organizador de tudo. Para eles, portanto, o homem é um ser com dobradiças, juntas etc. Dessa forma, como o explicitado acima, o princípio organizador dessa nova era, é o capital e a acumulação na forma de lucro (Braverman, 1981:156-157).Por outro lado, a partir da ótica do trabalhador, no limite, essa nova era se resume como a era do sofrimento, do torpor, do medo e das perdas da referência enquanto indivíduo. Segundo Dejours, os operários da linha de produção desconhecem a própria significação do trabalho em relação ao conjunto das atividades da empresa. E, mais do que isto, suas tarefas não tem a menor significação humana e social (2005: 49).Porém, e voltando aos nossos dias, e nos utilizando do exposto acima, para que melhor compreendamos o momento presente, a partir da década de 70, do século XX, ocorrem significativas mudanças no mundo dos negócios. Entre elas, está a globalização, as novas tecnologias e a financerização de todas as relações econômicas e sociais (Gorender, 1997; 312-313), que mudam a cara das organizações.Sem entrar em detalhes, essas mudanças provocaram (e estão provocando) significativas transformações no modo de empresariar e administrar as organizações. Essas macro-transformações tornaram o mundo uma aldeia global. O acirramento da competitividade torna-se fator crítico de sucesso e princípio-alvo para todos os empresários deste novo milênio.

Proclama-se, a partir de uma nova teoria econômica, a soberania virtuosa do mercado e repele-se toda a intervenção do estado. Ou seja, instaura-se o modelo neoliberal como o novo princípio organizador da sociedade e dos homens.

Assim, o neoliberalismo passa a ser um conjunto de políticas e processos, que permitem a um número relativamente pequeno de interesses particulares virem a controlar a maior parte possível da vida social com o objetivo de maximizar seus benefícios individuais (McChesney: 2006, 7)1.Por conta dessas transformações, há uma revisão do modo de empresariar e de produzir do capitalista dessa nova era. Para facilitar a compreensão do que exponho, cito alguns pontos importantes: 

  • Aldeia Global e a globalização – O capitalista passa a ter a correta percepção (e a consciência) de que o mundo agora é verdadeiramente global. Seus concorrentes não são mais só as empresas “do outro lado da rua” ou “do bairro”. Eles estão em toda parte do globo;
  • Os Avanços tecnológicos e a tecnologia da informação – O capitalista, neste ambiente competitivo, passa a ter a necessidade de adotar novas tecnologias e novas metodologias de trabalho e de produção. A acumulação flexível2 passou a ser o conceito central da produção e do capitalismo neoliberal. Dessa forma e, por conta disso, até as relações de trabalho e de emprego são impactadas de forma ímpar e inequívoca. Entramos em uma franca fase de desemprego estrutural;
  • Gerenciamento de mudanças – O capitalista passa a aprender a gerenciar as mudanças de forma mais pró-ativa, bem como a entender que os ciclos de vida dos produtos são menores. Portanto, a tomada de decisão passa a ser um ativo importante dessa nova lógica;
  • Capital humano – O capitalista passa a desenvolver (investir) e a capacitar pessoas. Ou seja, o capitalista passa a perceber a importância de se ter uma política agressiva de RH no sentido de atrair e manter capital humano, a fim de melhor atender ao cliente-consumidor neste cenário global e turbulento, onde a competência virou moeda de troca e esse novo ator passa a ser o novo (e grande) nexo;
  • Capacidade de reação à concorrência – O capitalista passa a desenvolver a expertise e a capacidade de reagir aos ataques da concorrência com mais rapidez, bem como seu foco passa a ser a excelência e a inovação. Passa, também, a investir em fidelização, qualidade no atendimento e numa política agressiva de respeito ao consumidor, bem como investir significativos recursos em marketing e outros; e
  • Gestão dos Custos e dos Lucros– O capitalista passa a perceber e entender que conter custos, maximizar lucros, estudar aspectos ligados à lei da oferta e da demanda etc, são importantes e imprescindíveis como expertises desses novos tempos.

Assim e, a partir dos pontos elencados acima, no que diz respeito à gestão empresarial, ter políticas de RH claras e antenadas com os novos tempos, virou necessidade premente desses capitalistas neoliberais. Ou melhor, e por esta razão, investir numa área de RH virou “palavra de ordem”. Visto que, ter pessoas qualificadas para esse novo momento não é só mais importante: é crucial para a sobrevivência das organizações.O Pêndulo versus o Homem com “Alma” e Inteligência. Não cabe aqui detalhar demais o que é uma área de RH antenada e sintonizada com as novas demandas deste novo milênio. Isto pode ser encontrado em qualquer livro de RH. Não é disto que trato neste artigo, como cerne.Este artigo trata de uma reflexão sobre a importância de se ter políticas de RH que vislumbrem a melhor compreensão desse novo mundo, bem como o traduzam. Ou seja, cabe ao RH entender e exprimir a organização através de políticas. Isto porque tanto os empresários, quanto os trabalhadores, os clientes e etc., têm expectativas e desejos. E, é um dos desafios do RH, traduzir em políticas estes interesses que muitas das vezes são conflitantes.Quero dizer, na Era Pós-Industrial, mais do que nunca, o profissional de RH deverá ser um mediador de satisfações e expectativas.Este novo papel do RH é mais ou menos como a metáfora de um pêndulo. Ou seja, deve oscilar para a compreensão das questões do capitalista-investidor que tem, em sua cabeça, a preocupação com os resultas econômico-financeiros neste mundo turbulento e nervoso. E, ora, oscila, para o entendimento das questões do trabalhador.Há que se entender que gerir pessoas não é repetir a velha fórmula do conjunto de regras sem nexo, alienadas e pasteurizadas da era passada. Estas políticas não poderão mais ser heranças de Taylor e Fayol. E, muito menos da execrada Qualidade Total, imposta a todos nós no fim dos anos 70 e início dos anos 80, do século XX. Na verdade, esta panacéia pensava (e tratava) gente como robô. Na verdade, ao que parece, a QT é a repetição do modelo fordista, só que com nova cara, modelito e discurso.Assim, podemos afirmar, que não é mais possível ter empresas competitivas nessa nova era, que ainda cismem em pensar que aqueles manuais “cheios” de regras fordistas nos levará a algum lugar. Na verdade, estes manuais, no máximo, replicam conceitos ultrapassados de que o homem é a extensão das máquinas. E, como sabemos de cor, o ser humano transcende a isto!Assim, àquela lógica do discurso repetitivo e manualizado, voltado à relação com o cliente, deve ser esquecida pelo RH. Esta prática deve ser enterrada no mais fundo dos mares, para sempre. Na nova lógica empresarial, tanto o empresário, quanto o RH, o acionista, etc., deverão perceber que o trabalhador quer “parceirizar” as relações.Dito de outra forma, o trabalhador na nova era, quer enterrar o que Sennett apregoa em seu livro “A corrosão do caráter”. Ou seja, aquele modelo de trabalhador: vazio, precarizado, sem moral, sem princípios éticos, sem horizontes, etc.Na verdade, o trabalhador da Era Pós-Industrial prefere não ser encarado como uma mão-de-obra vazia e sem alma. Na nova era, o trabalhador – por força dos novos nexos e das novas relações oriundas do setor de serviços – ganha outra importância.O novo trabalhador da era Pós-Industrial, assim, por força da própria atividade profissional e dos novos valores e aspectos sociais que se apresentam. Aproximam-se mais do produto, bem como do cliente-consumidor.Dessa forma, e sem aprofundamento, isso demanda, como dito anteriormente e apregoado por Sorj (2000) e outros, novas expertises, conhecimentos, habilidades, competências e novos aspectos relacionais na subjetividade desse novo trabalhador. Portanto, um novo currículo e um novo envolvimento com o cliente-consumidor é a nova tônica (7 – 13).Para fechar esta seção, os novos desafios e os novos paradigmas que se colocam para a nova gestão das organizações, portanto, é o resgate do trabalhador com alma e com intelecto.III – Conclusão.Bom, este tema é complexo e suscita discussões intermináveis. Porém, o caminho metodológico adotado é de que vivemos numa sociedade de serviços de cunho neoliberal e que não podemos mais prescindir do RH. Por conta disto, e pelo exposto acima, essa área passa a ter uma nova responsabilidade (e importância) mesmo que tímida e pálida, que até então não se tinha notícia.Esse status e consideração é fruto dessas novas demandas e pressões pontuadas acima. Do contrário, penso, que os capitalistas continuariam agindo e pensando da mesma forma que outrora. Ou seja, privilegiando máquinas e processos em detrimento do homem.  A seguir, relacionamos alguns pontos para nossa reflexão:O capital humano neste novo milênio terá que lidar, via de regra, com o intangível. Portanto, não pode mais se conceber que este trabalhador seja gerenciado dentro da lógica taylorista-fordista do início do século passado;O trabalho continua (e continuará) sendo mercadoria. Porém, terá novo status e novas complexidades.Ou melhor, a lógica da troca (capital versus trabalho) está sofrendo (e sofrerá) os devidos ajustes na medida em que o cliente-consumidor atua (e atuará) diretamente na relação aproximativa com o trabalhador.Ou seja, este fenômeno da aproximação desses dois elementos (clientes e profissionais) esta requerendo um novo trabalhador e novas expertises, competências e um novo currículo, bem como esta aproximação está “interferindo” (e interferirá) não só na forma de gerir pessoas, mas na subjetividade dos trabalhadores, entre outras.Somado a isto emergem novos nexos importantes: os culturais, os emocionais etc.   

Ainda, e sem esgotar este ponto nevrálgico dessa equação, tem a questão do Setor de Serviços que trouxe para o mundo dos negócios uma nova forma de ver e gerir. Estas mudanças estão repercutindo não só no homem, mas nos processos, no design dos produtos, etc.;No novo milênio saber trabalhar em equipe é fator estratégico e imprescindível. Não se admite mais empresas que não invistam nisso e/ou trabalhadores que não se posicionem nessa linha;A gestão do conhecimento será (e deverá ser) outro fator que distinguirá as organizações do novo milênio. Gerir conhecimento, portanto, passou a ser um novo (e grande) desafio para toda as organizações. Assim, consolidar, alocar, duplicar, criticar, distribuir, armazenar, transferir conhecimento etc., deverá ser a novo desafio das organizações e dos homens nas organizações;Ter capital humano com habilidades específicas é coisa do passado, bem como é inimaginável neste novo mundo do conhecimento e da informação, ter ainda profissionais com este perfil.Esses profissionais que não investe em novos conhecimentos e expertises acessórias, não têm mais espaço nas organizações da Era Pós-Industrial.Conhecimento técnico é importante, bem como é requerido, mas ter expertise só em um determinado assunto, não basta e não gera valor e, muito menos, distinguirá esse profissional dos demais;A questão da competência e do desenvolvimento deverá ser uma preocupação do trabalhador e das empresas. Porém, há que se entender que elas (as empresas) não mais tutelarão o desenvolvimento e a qualificação de ninguém.Cabe ao trabalhador planejar sua carreira. Ou melhor, cabe ao trabalhador entender que ela (sua carreira) é que o manterá empregável e será seu maior patrimônio.Por outro lado, as organizações deverão investir em formação e desenvolvimento profissional de seus colaboradores de forma intensa, constante e planejada.O desafio que se coloca para o RH é o de saber com clareza que conhecimentos deverão ser ministrados, quando, com que metodologia, que recursos e onde ministrá-los. Do contrário estes recursos financeiros empregados nestas ações de T&D poderão ser jogados no lixo e/ou colocados à disposição do concorrente ;eAs empresas deverão, nos próximos anos, continuar investindo no conceito aprender coletivamente e continuamente. A empresas que não se adequarem a esta nova realidade conhecerá mais rapidamente o fracasso e/ou o esquecimento.Assim, e voltando a Introdução, deve-se afirmar que uma empresa que tiver uma política de RH diferenciada, será buscada e endeusada pelos trabalhadores e pelos consumidores do novo milênio. Ou seja, as organizações que tiverem antenadas e sintonizadas com o novo momento dessa nova era, possivelmente, terão mais chances de ter seus trabalhadores mais envolvidos e satisfeitos no desempenho de suas atribuições e responsabilidades; e, no limite, esta organização terá clientes fiéis e replicando para os amigos esta satisfação com a  sua marca.    

Notas:  

1 – McChesney, 2006. Esta passagem pode ser encontrada na introdução do livro “O Lucro ou as Pessoas?”, de Noam Chomsky(2006).  

2 – Este termo foi cunhado por Harvey, David, em sua obra: Condição Pós-Moderna.  

Este conceito, basicamente, se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Ou melhor, caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercado etc; e, sobretudo, em taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. Ainda, este conceito é adotado em substituição ao exaurido conceito da rigidez fordista-taylorista do início da Era Industrial (2006: 140).  

   

IV – Referências Bibliográficas:  

BRAVERMAN, Harry (1981). Trabalho e Capital Monopolista: A degradação do trabalho no século XXI. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores.  

CHOMSKY, Noam (2006). O Lucro ou as Pessoas? 5ª Edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.  

DEJOURS, Christophe (2005). A Loucura do Trabalho: Estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª Edição. São Paulo: Editora Cortez.  

GORENDER, Jacob (1997). Globalização, Tecnologia e Relações de Trabalho. São Paulo: Institutos de Estudos Avançados da USP. Vol.11, N◦ 29, p. 311-361.  

HARVEY, David (2006). Condição Pós-Moderna. 15ª Edição. São Paulo: Edições Loyola.  

SENNETT, Richard (2003). A Corrosão do Caráter. Conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de janeiro, Record.  

SORJ, Bila (2000). Sociologia e Trabalho: mutações encontros e desencontros. São Paulo: Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol.15.N° 43.  

   

Sobre o autor:  

Angelo Peres é Mestre em Economia, Pós-graduado em Recursos Humanos, Marketing e Gestão Estratégica, Doutorando em Educação pela Universidade católica de santa fé / Argentina. Professor do Centro Universitário Celso Lisboa (UCL). Coordenador acadêmico dos programas de pós-graduação em Gestão de Pessoas e Gestão estratégica, do UCL, Palestrante e instrutor em programas de treinamento; Sócio-Gerente da P&P Consultores Associados.  

e-mail: ppconsul@unisys.com.br

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