Quer mudar um hábito? A neurociência te ajuda

Dr. Martin Portner

Então você decidiu afastar um hábito indesejado. Uma mania que lhe incomoda. Algo que vem sendo feito ou pensado repetidas vezes. Já virou ensaio maçante; não serve para nada e passou a ser um problema. Além de não ajudar, tornou-se uma mala no caminho.

Se você está na média das pessoas que buscam mudar um hábito incômodo, chances são de que seis meses se passaram desde que você decidiu mudar e nada aconteceu.

Isso ocorre por que há poucas coisas mais difíceis na vida do que extinguir um hábito. Hábitos – que também chamamos de mania, como roer as unhas, ruminar sentimentos de menos valia, não sair da cama de manhã – são comportamentos organizados pelo cérebro. Em algum momento, ele decide que determinado hábito é útil e deve ser mantido; por mais que você deseje o contrário, as tentativas para eliminá-lo acabam dando em nada.

Isso acontece baseado na economia. Digamos que você vai ao supermercado; uma das coisas que você precisa é um tubo de pasta de dentes. Você já sabe em que gôndola sua marca predileta está. Ela casualmente se encontra na altura dos olhos, você simplesmente a alcança e a lança na cesta. Mas naquele dia, você decide que gostaria de comparar o preço e o tamanho do tubos das outras marcas disponíveis. O estriado, o núcleo cerebral que gerencia o planejamento automático das coisas do dia a dia, quase tem um ataque; “não é possível, o time que está ganhando está para ser mexido. Vai levar um minuto a mais e ainda por cima vai dar na mesma”.

Manter o que está arquivado tem custo baixo. Extinguir o circuito de neurônios que operacionaliza o hábito exige esforço, glicose e mini descargas elétricas percorrendo células nervosas que gostariam de estar quietas. Vai sair mais caro.

Se você realmente deseja descartar o hábito, vamos sugerir uma mudança de estratégia. Cientistas descobriram que velhos hábitos não se extinguem. Deixe-os lá e substitua-os por novos. Se você se empenhar no passo a passo, levará não mais do que 48 horas para um hábito ser reprogramado. Vamos examinar.

O problema da mania é o que a traz à cena. Sempre há um disparador. Geralmente é um pensamento; pode ser um som, uma imagem, um comentário, qualquer coisa. O hábito é desencadeado por algo. Quando esse algo pintar na mente, o que daria início ao hábito, você o interrompe, por um instante, através de uma mini sequência cognitiva. O que é isso?

Uma boa mini sequência seria relembrar algumas notas musicais que fazem a abertura de uma música, por exemplo. As cinco notas da guitarra estupenda de Eric Clapton abrindo Someone`s Knockin´; ou as nove notas de Eine Kleine Nachtmusik, de Mozart; ou mesmo a voz grave de Zélia Duncan sobreposta ao teclado na abertura de Catedral.

Imediatamente depois de a sequência cognitiva ser rodada na mente, você aciona uma mini concentração em cima de algo do seu próprio corpo. Isso deve durar um tempo. Por exemplo, focar a atenção nos dedos polegar, indicador e médio como se eles estivessem segurando o braço da guitarra; ou o sorriso de coringa do Wolfgang Amadeus; ou seus olhos, como se fosse Zélia mirando a plateia.

Qualquer combinação – uma sequência cognitiva e o foco sobre um componente do corpo pelo período de quatro ou cinco minutos.  Foco inarredável, fixo, sem deixar vazar. O que vai acontecer é a regravação da trilha inicial. Uma nova trilha, aquela que envolve notas musicais e o foco sobre a parte corporal.

Interessante, você dirá, perdemos uma mania e adquirimos outra. Ocorre que esse expediente dará início à formação do hábito de focar em algo que pertence a você. Estudos em neurociência mostram que exercícios de autofoco são mágicos. A velha mania, aquela substituída pela sequência cognitiva e foco corporal, é esquecida. Você passa a adquirir hábitos rotativos. Velhos hábitos ficam para trás; novas ideias passam a dominar a cena.

É o início de um novo comportamento que acaba em uma qualidade chamada de criatividade. E a vida, prepare-se, não será mais a mesma.

Dr. Martin Portner é Médico Neurologista , Mestre em Neurociência pela Universidade de Oxford e especialista em Mindfulness. Há mais de 30 anos divide suas habilidades entre atendimentos clínicos e palestras, treinamentos e workshops sobre sabedoria, criatividade e mindfulness.

Site: www.martinportner.com.br

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