Por onde anda a ética de alguns brasileiros?

Dr. Martin Portner

Do Oiapoque ao Chuí, em 2017 o Brasil deverá sofrer um recall para a revisão de sua base ética. Como ética não é algo que se adquire de uma hora para outra, será necessário trazer à luz aquela que temos. Talvez ela seja pouca; temos como melhorá-la?

Para responder, precisamos primeiro saber onde ela reside. Assim como a consciência, ética é uma qualidade humana abrigada nas engrenagens do cérebro. Todos os dias ao acordarmos, ativamos redes que interligam bilhões de neurônios entre si. Na parte da frente, encontramos as que tomam decisões; na parte de trás, aquelas que examinam as informações do mundo, especialmente as chamadas dos jornais. Quando estamos para decidir se saímos da chuva, pedimos um café ou acreditamos em um anúncio governamental, uma espécie de balança se mistura aos circuitos de tomada de decisão no cérebro fazendo com que as intenções sejam colocadas em um dos pratos e o conceito interno de certo ou errado, no outro.

Quando o Homo Sapiens evoluiu para se tornar a espécie que governa sobre as outras, sua capacidade de intercooperação pesou. Uma parte do cérebro foi estendida e zilhões de novas células adicionadas ao que os cientistas chamam de cérebro social. Deste processo evolutivo nasceram duas qualidades exclusivamente humanas: uma se chama livre-escolha; a outra, ética. A primeira dá a Sapiens a primazia de decidir conforme seu livre arbítrio. A segunda age para evitar livres-arbítrios capazes de destruir o tecido social. Trata-se de um sistema de segurança que impede que façamos como bem entendemos, especialmente quando o que bem entendemos significa fazer para alguém o que não desejamos para nós.

Por capricho da natureza, a balança ética não pode sofrer interferência a partir de flutuações do momento. Em outras palavras, não podemos flexibilizar a ética, por exemplo, de acordo com o que determinado educador ensina em determinada escola. Nem como determinado governante conduz a governança. O Sapiens ético foi selecionado com uma ética pré-implantada, que não pode ser modificada ou reprogramada ao bel-prazer.

Surpreendentemente, esse selo de garantia é engendrado de uma forma inesperada. A região do cérebro onde a balança com seus dois pratos está amarrada com as redes de tomadas de decisão recebe ajustes não a partir do mundo externo, mas das operações internas do organismo. Aparentemente, quando as engrenagens que mantêm a vida – os sistemas cardiocirculatório, respiratório, digestivo, imune, para citar alguns – funcionam de forma redonda, sem impedimentos ou estresse, as redes cerebrais que tomam decisões trabalham na mesma harmonia. Pesquisas, aliás, mostram existir uma infovia que interliga células especializadas do coração com a balança. Algo nada menos do que extraordinário. Células que guardam muita semelhança com as do cérebro, aninhadas nas paredes do músculo do coração, despacham mensagens capazes de influenciar os processos de decisão e a influência ética sobre eles.

O rumo dos acontecimentos em nosso país sugere que pode ter-se desenvolvido um Sapiens desprovido dessa comunicação. Paralelamente, pode ser que nosso meio-ambiente não tenha vetado essa flexibilização de forma eficaz. Desta forma, tem-se a impressão que a ética está desgovernada, fazendo com que as decisões de alguns brasileiros sejam tomadas em completa desconsideração e desrespeito com os demais cidadãos. Uma rasgadura do tecido social. O recall será efetivamente necessário; uma parte dos brasileiros está desprovida de coração.

Dr. Martin Portner é Médico Neurologista , Mestre em Neurociência pela Universidade de Oxford e especialista em Mindfulness. Há mais de 30 anos divide suas habilidades entre atendimentos clínicos e palestras, treinamentos e workshops sobre sabedoria, criatividade e mindfulness. http://www.martinportner.com.br

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