Os conselhos de administração ainda deixam a desejar quando o assunto é inovação

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Eduardo Saggioro
Eduardo Saggioro

O conselho de administração, tendo em vista seu papel fundamental de guardião da governança corporativa, é um ente chave para o crescimento saudável e longevidade das organizações. Não só de grandes empresas listadas na bolsa de valores, como também em empresas familiares e startups em busca da profissionalização perene de seus negócios.

Porém, quando se trata do tema inovação, a maioria dos conselhos deixa a desejar. O foco principal é olhar para o passado: analisar e aprovar indicadores e demonstrativos financeiros que explicam o que aconteceu no mês, semestre ou mesmo ano anterior.

Sem dúvida essa é uma atividade essencial da boa governança corporativa, mas fala muito pouco com as necessidades latentes das organizações do século XXI de olharem para o futuro e se adiantarem às mudanças disruptivas, que acontecem cada vez mais rápido e com maior frequência. Como costumava dizer um grande executivo e conselheiro de várias empresas, um conselho que não olha para o futuro e não pensa em inovação corre o sério risco de ver sua empresa “dormir crocodilo e acordar bolsa”.

Neste contexto, acreditamos que para atender à demanda por inovação em suas organizações, os conselhos de administração devem evoluir em três aspectos: Visão Estratégica, Gente e Gestão.

1) Visão Estratégica: 

O conselho deve protagonizar junto ao CEO e demais altos executivos da empresa o processo de definição das estratégias para evolução do negócio. Ou seja, ao invés de ser o “retrovisor” (aquele que só olha para o passado), o conselho deve ser o “GPS” da organização (aquele que ajuda a definir os caminhos futuros).

Desta forma, é muito importante contar com conselheiros que aportem conhecimento e networking em áreas nas quais a empresa possa se desenvolver e que estejam conectados com as mudanças de mercado no Brasil e no mundo.

Por exemplo, é muito útil para uma empresa de varejo contar com um conselheiro com vivência nas áreas de marketing digital e e-commerce, que estão transformando de forma disruptiva os processos de vendas neste segmento.

Há mesmo casos de startups que conseguiram aprimorar seus processos através de benchmarking em empresas de tecnologia no Vale do Silício, maior polo de inovação dos EUA, através da rede de contatos de seus conselheiros. Esse tipo de ação é normalmente mais barato e efetivo do que contratar consultorias ou pesquisas de mercado.

2) Gente: 

Uma visão estratégica robusta de nada servirá se não houver pessoas boas e engajadas para executá-la. Ou seja, uma estratégia boa sem as pessoas certas tende a não sair do papel. Já pessoas certas aprimoram ou mesmo alteram uma estratégia que não esteja sendo bem sucedida.

Neste contexto, é fundamental que o conselho auxilie a empresa no desenho de sua estrutura organizacional alinhada à visão estratégica, e que esta estrutura seja preenchida e perenizada através de um processo efetivo de atração, desenvolvimento e retenção de talentos.

Talentos são pessoas certas nos lugares certos, com a cultura e competências técnicas adequadas para os desafios colocados pela organização. Muitas das inovações inclusive são pensadas e desenvolvidas por talentos em níveis hierárquicos mais baixos (como no chão de fábrica ou dentro das lojas da empresa), e mesmo fora de uma área ou processo formal de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D).

É fundamental que o conselho patrocine fortemente esse processo de gestão de talentos e crie incentivos para a inovação. Em empresas reconhecidas pelo alto grau de inovação, é comum que o conselho seja um dos principais avalistas da meritocracia, inclusive participando do processo de avaliação de desempenho e sucessão, acompanhando diretamente a carreira de pessoas de altíssimo potencial.

3) Gestão: 

O modelo de gestão representa a liga entre a visão estratégica e as pessoas que a executam. A partir do mesmo, são definidos os indicadores e metas de cada pessoa visando entregar as estratégias desenhadas, e é definida a dinâmica de medição e acompanhamento dos resultados e tomada de decisão em cima dos mesmos.

A definição dos indicadores e metas que compõem o modelo de gestão depende de cada empresa, devendo ser desenhados a partir da visão estratégica. Acreditamos, porém, em três blocos básicos que podem ser aplicado a qualquer empresa:

– Lucratividade (que pode ser medida por indicadores como Lucro Líquido ou EBITDA).

– Geração de Caixa (que pode ser medida por indicadores como liquidez, dívida ou geração de caixa livre).

– Longevidade (que pode ser medida por indicadores como satisfação de clientes, força da marca, satisfação de funcionários e efetividade de projetos estratégicos, dentre outros).

Enquanto os dois primeiros blocos se referem à entrega de resultados financeiros no curto prazo, o terceiro bloco pode estar diretamente associado à inovação, tendo em vista que esta muitas vezes reduz a lucratividade e caixa no curto prazo (tendo em vista que é um investimento), mas garante o crescimento saudável e perenização do negócio.

Cabe ao conselho balancear esses três blocos nas metas dos executivos, vis a vis a máxima “diga-me como sou medido que lhe digo como trabalho”. Caso os incentivos, como bônus e promoções, estejam vinculados única e exclusivamente a metas de lucratividade e caixa, corre-se o sério risco de estimular ações que coloquem em risco a longevidade da empresa.

Apesar de simples, estes três elementos – Visão Estratégica, Gente e Gestão –  ainda estão distantes da maioria dos conselhos de administração no Brasil, que continuam com a função de “retrovisor”: análise e validação de resultados passados. Ao mesmo tempo, vemos já alguns exemplos de empresas de altíssimo desempenho e inovadoras que executam estes três elementos com excelência. Aos acionistas que estão buscando conselheiros, ou mesmo donos de negócios que estão migrando da função de executivo para conselheiro, recomendo fortemente investir no desenvolvimento destas competências em seus conselhos.

Sobre o Autor: 

Eduardo Saggioro,  Graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em Engenharia de Gestão pelo Politécnico de Turim na Itália, foi membro da Cátedra de Estratégia e Crescimento Organizacional do COPPEAD. É um dos sócios fundadores da consultoria Visagio.

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