Dialogando Com a Professora Rita Afonso. O RH, o Titanic e a Pasárgada.

Ângelo Peres
Ângelo Peres

1.

Em maio próximo passado, a professora Rita Afonso escreveu um artigo* onde, corretamente, faz ponderações complementares às minhas considerações sobre a área de RH e a minha percepção (versus a sua) quanto à importância dessa área para as organizações e, no limite, para o Homem.

Segundo a professora-amiga, só políticas de RH não são suficientes no desenvolvimento das organizações, do país, do cidadão etc.

Ainda, neste âmbito, a professora Rita Afonso contra-dialoga, a partir deste artigo criando zonas de rebatimentos, no sentido criar / abrir um espaço para uma reflexão / discussão. Segundo ela, e concordo totalmente com a sua ponderação / opinião, as políticas de RH não podem estar dissociadas da racionalidade das políticas como um todo das organizações, e, estas dissociadas do mundo. Ou seja, os resultados (todos) têm que estar ancorados aos resultados sociais e ambientais, no limite.

Ela, ainda, aponta para que estas práticas apontadas por mim no artigo de abril, ajustam, apenas, uma das pontas do processo. E que, outros parâmetros são necessários / importantes, sem os quais teremos uma gestão (empresarial) míope, desconectada e equivocada. Visto que, uma organização é uma estrutura muito mais complexa do que, simplesmente, ter uma área de RH atuante / funcionando.

Ainda, segundo ela,

A síntese da racionalidade empresarial não aponta somente para a importância das políticas de RH e do papel crucial dos seus gestores na formulação destas políticas, mas para a necessidade de sustentabilidade em todas as direções para onde olhemos e o RH não escapa a este olhar. Resultados financeiros, sim, mas ancorados, com igual peso, nos resultados sociais e ambientais (Afonso, 2007.)

Depois destes escritos reflexivos da professora-amiga, eu não tenho o que discordar. Ou seja, não dá para discutir com tais argumentos claros, objetivos, coerentes, lógicos etc. Porém, resolvi voltar ao debate. Visto que, além de ser uma reflexão importante / oportuna, há que se, sempre, aprofundar um pouco mais o debate e abrir outros mais.

Quero salientar, de pronto, portanto, que não posso sequer contra-argumentar e/ou discordar das posições da professora Rita Afonso, lato sensu. Aliás, em nenhuma linha sequer de seu artigo. Ou seja, a gestão de RH não se consolida (não se torna eficaz), a partir dela mesma, e/ou porque ela quer que seja assim ou assado. Ou melhor, a gestão de RH é uma prática que funciona dentro de um sistema. E, este sistema tem que estar azeitado, sincronizado etc. Ou melhor, o RH não pode ser fruto de uma tendência mundial, ou porque está na moda.

No limite, as áreas de RH, das organizações, não têm (nem podem ter) como meta profissional, nenhum desafio dissociado da realidade institucional, da realidade local, do consumo, da postura ética, da moral, das práticas mercadológicas do segmento que atua, da legislação etc.

As áreas de RH, das organizações, não podem (e é assim que tem que acontecer) estimular políticas dissociadas da realidade fática.

Ou seja, para terminar este preâmbulo, a área responsável por gerir pessoas não pode propor práticas desconectadas do business. Isto me faz recordar um bom exemplo. É o filme “Titanic”, onde os músicos da pequena orquestra daquela embarcação (que é a melhor síntese do poder capitalista da época), mesmo com o navio afundando, insistiam “em animar” um público que não mais existia e/ou os escutava.

Em muitos momentos, segundo alguns profissionais dessa área, vejo-os como músicos do “Titanic”. Regendo peças belíssimas, num espaço vazio, empoeirado e sem vida.

Sem aprofundar nesta cena do filme, pois, só ela já é rica demais e se auto-explica. É isto que quero voltar (trazer) para o debate com a professora-amiga: podemos ter uma área de RH em que os músicos estejam tocando para uma platéia atenta?

A nova configuração econômico-política radicalizou situações de pobreza e vulnerabilidade social (MOTA, 2005). Criou expectativas submetidas ao lucro e ao individualismo e uma certa alienação. Chego a ficar tonta quando percebo algum aluno – dou aulas em cursos de gestão – achando o melhor dos mundos um emprego dentro de uma grande organização privada, onde é presenteado com um laptop e celular de últimas gerações, o que lhes faz passar 24 horas do dia disponível para seus empregadores. Também a gestão de RH, estrategicamente, formulou planos de cargos e salários capazes de dar ao assistente de ontem, o status de gerente júnior (com algum nome em inglês agregado ao título do cargo) de hoje; cobrando-lhe alto por isso (Afonso, 2007).

2.

Vivemos num mundo ilógico. Nas últimas décadas fomos tomados por significativas transformações. Essas mudanças ocorreram no plano econômico, político, social, cultural, religioso, subjetivo etc. Ocorreram, mudanças, também, nas instituições, organizações, governos, sindicatos, nas comunidades, nos órgãos de classe, nos indivíduos etc. Ou seja, ocorreram de forma plena, indistinta e irreversível.

Foram tantas as mudanças, que todas as lógicas (os nexos, os laços) do passado não mais servem de parâmetro para este novo milênio. Todos os espaços estão em cheque, bem como todas as competências foram postas a prova e/ou foram derrotadas pela nova lógica e pelos novos conceitos trazidos pelo capitalismo neoliberal.

Seguindo esta reflexão, no campo do trabalho, do mercado de trabalho, dos espaços de trabalho, enfim, do RH como área normativa e supervisonadora, como não poderia deixar de ser, não foi diferente.

Enquanto as primeiras tecnologias industriais substituíram a força física do trabalho humano, trocando a força muscular por máquinas, as novas tecnologias baseadas no computador prometem substituir a própria mente humana, colocando máquinas inteligentes no lugar do seres humanos em toda a escala da atividade econômica. As implicações são profundas e de longo alcance, mais de 75% da força de trabalho na maior parte das nações industrializadas estão dês empenhando funções que são pouco mais que simples tarefas repetitivas. Máquinas automatizadas, robôs e computadores cada vez mais sofisticados podem desempenhar muitas, se não a maioria das tarefas (Rifkin, 1995, p. 5).

No último quartel do século passado, por exemplo, as relações de trabalho transformaram-se em relações de desigualdade; e, que todos se confrontam com a dominação e com a experiência da injustiça. Os escritórios da era pós-industrial passam a ser verdadeiros laboratórios dessa lógica.

Portanto, o mercado vem sofrendo profundas transformações. Estas mudanças se dão em função de um processo agressivo da globalização econômica e abertura comercial, dentre outros fatores de igual impacto e importância. Essas macrotransformações geraram (e estão gerando) fortes conflitos no mundo do trabalho e sobre as organizações dos trabalhadores (Ramalho e Santana, 2003, p. 11).

As novas tecnologias de computação (e outras) estão permitindo que os produtos sejam os resultados de operações em diferentes países e continentes, vinculados em tempo real. Essas mudanças tecnológicas influíram (e influem) no sentido de simplificar as operações de fabricação, distribuição, consumo etc.

Essas mutações tiveram como efeito imediato, uma reestruturação das organizações que vêm se “afinando”, no sentido de enfrentar esses novos tempos. Processo que foi acompanhado por novas formas de organização da produção. Tendo como suporte, como já dito acima, a chamada revolução da microeletrônica, entre outras. Essas inovações ensejaram como sabemos um grande enxugamento de pessoas nas linhas de produção (Ramalho e Santana, 2003, p. 12).

O resultado desses processos foi uma alteração do mundo do trabalho que não apenas deu lugar a novas formas de trabalho, como corroeu o tecido que, historicamente, teceu as políticas públicas do pleno emprego. Esse fato aparece como o principal gerador do desemprego estrutural e das formas precarizadas de trabalho que saturam a vida dos trabalhadores.

Esses dados e tendências evidenciam uma nítida redução do proletariado fabril, industrial, manual, especialmente nos países de capitalismo avançado, quer em decorrência do quadro recessivo, quer em função da automação, da robótica e da microeletrônica, gerando uma monumental taxa de desemprego estrutural (Antunes, 2006, p. 52).

Assim, surgem, neste bojo, de forma perene, as novas formas de contrato de trabalho flexível, na busca, segundo o discurso oficial das empresas e dos governos, acompanharem a evolução do mercado. Assim, as proteções ao trabalhador (dentro e fora das organizações) foram sendo substituídas por políticas de aumento de produtividade, competitividade e flexibilidade.

Desse modo, a sociedade moderna (pós-industrial) entra em um período de crise do trabalho gerada pelo desemprego estrutural e por todas as alterações pontuadas acima. Nessa direção, a questão social volta ao centro das preocupações, visto que o trabalho é um dos eixos centrais de vertebração da ordem social moderna.

Em tal contexto, aprofundam-se as desigualdades, marcadas, entre outras características, pelas perdas de institutos de proteção social, pelo aumento das taxas de pobreza global e pelo aumento das disparidades sociais, ensejando a ampliação das margens de vulnerabilidade social e econômica (Ramalho e Santana, 2003, p. 13).

3.

Para finalizar, no capitalismo, a partir da década de 60/70 do século XX, trouxe como dito acima, efemeridade e fragmentação excessivas no domínio do político, privado, social etc. E, no limite está trazendo fortes impactos no trabalho, nos espaços do trabalho e na subjetividade do trabalhador e, como não poderia deixar de ser, está trazendo novas lógicas (e nexos) para os profissionais do RH.

A resposta a esta ou a qualquer outra questão envolvendo o capitalismo e sua “lógica”, não se tem hoje. Ou seja, o que se sabe (e se sente) é que este sistema econômico é um modelo alienante e, ao que parece, continuará sendo assim por longos anos. De um jeito ou de outro, continuará trazendo em seu seio, o estigma da desigualdade e da assimetria.

Se tudo o que escrevo aqui e o que a professora Rita nos aponta é verdade. O que nos resta? Será que me imobilizo frente a este ambiente-cenário?

Nesta altura lembro, para buscar uma saída, de um poeta e peço a ele licença, para me utilizar de um de seus poemas. Talvez uma das passagens mais belas da literatura brasileira:

Vou-me embora pra Pasárgada.

Lá sou amigo do rei.

Lá tenho a mulher que eu quero.

Na cama que escolherei.

Vou-me embora pra Pasárgada.

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

 

Ou seja, sem discordar da professora Rita Afonso, me pergunto outra vez. Será que o caminho é este? Será que a Pasárgada que Manuel bandeira nos aponta é a saída? Será que devemos nos permitir imobilizar?

Concordo que o RH não é e nem pode ser “o salvador da pátria”. Concordo que o cobertor, ao que parece, é curto. Mas temos que continuar pensando e resistindo. A professora Rita em sua seara. Eu na minha.

E, todos, resistindo.

Ou o caminho será ficar tocando para uma platéia ausente e dispersa, quando muito. Ou, comprando um bilhete para Pasárgada.

* – As implicações da gestão de RH na era pós-industrial, abril, 2007; e o artigo da professora Rita Afonso: Dialogando com Angelo Peres sobre este triste início de século, maio de 2007. Fonte: www.rhevistarh.com.br.

Referências Bibliográficas:

1.ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? 11ª Edição. São Paulo: Editora Cortez, 2006.

2.RIFKIN, Jeremy (1995). O Fim dos Empregos. São Paulo, Makron Books.

3.AFONSO, Rita (2007). Dialogando com Angelo Peres sobre este triste início de século. Site: www.rhevistarh.com.br <https://www.rhevistarh.com.br/portal/?p=1243>. Acessado em julho de 2007.

4.SANTANA, Marco Aurélio e RAMALHO, José Ricardo (orgs.) (2003). Trabalhadores, sindicatos e a nova questão social in Além da Fábrica. São Paulo: Editora Bomtempo

Sobre o autor:

Angelo Peres é Mestre em Economia, Pós-graduado em Recursos Humanos, Marketing e Gestão Estratégica, Doutorando em Educação pela Universidade católica de santa fé / Argentina. Professor do Centro Universitário Celso Lisboa (UCL). Coordenador acadêmico dos programas de pós-graduação em Gestão de Pessoas e Gestão estratégica, do UCL, Palestrante e instrutor em programas de treinamento; Sócio-Gerente da P&P Consultores Associados.

e-mail: ppconsul@unisys.com.br

Compartilhar Este Post

Postar Comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.